Pessoas lindas e queridas,
Estou devendo a vcs e a mim um email aqui. Tenho muitas coisas pra falar pra vcs (e pra mim mesma). Coisas a contar, questões a elaborar, sentimentos a verbalizar.
Não tenho tido tempo para isso e toda vez q sinto o ímpeto de escrever, o pequetucho me chama, ou o marido convoca, ou o telefone toca, ou o trabalho consome.
Infelizmente, não pude ir aos 2 últimos encontros, o penúltimo por puro cansaço mesmo.
Desde a última vez q nos vimos, muitas coisas aconteceram. Nosso encontro foi próximo à prova q fiz para a FAETEC e até então eu não sabia se realmente passaria, nem o q me esperaria daí pra frente.
Por conta disso tudo, não posso escrever uma mini-apresentação. O q tenho a escrever é longo, muito longo, e eu vou ficar muito feliz se cada um tiver tempo para ler. ;)
Agora, depois de reler tudo q escrevi, cheguei à conclusão de q este é o melhor relato de parto q eu poderia escrever.
Acabei sendo aprovada no concurso de admissão e fui fazer um curso técnico pós-médio de Enfermagem, na FAETEC, às custas do governo (como sempre na minha vida). Eu tinha um preconceito grande com a FAETEC, pq é do Estado, e eu fui aluna do Colégio Pedro II, federal, a vida toda. Coisa de elitista soberbo q acha q o resto não presta. O povo das federais tem essa mania mesmo...
Eu não imaginava o q me esperava lá. A escola é surpreendente, exclusivamente de Saúde, com o cursos técnicos de Enfermagem, Prótese Dentária, Patologia Clínica e Reabilitação de Dependentes Químicos (este último é pioneiro, parece q só tem mais uns 5 dele no Brasil) e a especialização em Enfermagem do Trabalho. A escola é ganhadora do Prêmio Prata de Qualidade em Gestão, a direção é maravilhosa, os professores são tudo de bom (salvo raras excessões) e eu já perturbo a pobre professora de Saúde da Mulher, mesmo q eu só venha a ter esta disciplina no semestre que vem. Tenho pena dela qdo tiver q me dar aula, coitadinha...
Depois de iniciar (e abandonar) 4 faculdades na área de Exatas (com direito a duas matriculas distintas na UERJ, ambas por ingresso no vestbular) e trabalhar por quase 10 anos com informática, descobri, por fim, o q era aquele vazio q existia dentro de mim em cada novo curso, em cada trabalho. Só agora vejo q sempre fui enfermeira na família e nunca havia me dado conta disso.
Descobri q realmente sou apaixonada por Saúde Pública, Saúde Coletiva, SUS e outas coisas mais. Sou otimista, acredito no Amor, acredito q as coisas vão mudar de verdade e q o SUS vai se tornar na prática a coisa linda q ele é no papel.
Essa estudante q eu sou hoje é alguém q foi parida junto com o Ian. Uma mulher q começou a ser gestada qdo eu engravidei. Uma mulher q nasceu no meu trabalho de parto, q nasceu qdo a Helô e a Ingrid saíram e o Cláudio foi na rua, no meio dos gritos abafados pelo som altíssimo de Aqualung, depois de quase 20 horas de um tp q não engrenava.
Depois de um total de 30 h de trabalho de parto, com quase 43 semanas de gestação, fomos para a maternidade Carmela Dutra, no Lins, onde meu filho nasceu cerca de 2 horas após minha chegada, de parto normal, com todas as intervenções q eu gostaria de evitar e q me levaram a optar pelo parto domiciliar. A Helô sempre deixou muito claro q existia um momento onde o trabalho dela acabava e q ela deveria passar a vez a um médico. Parto natural é natural, sem intervenção. O meu não prosseguiu naturalmente. Então, optamos por nos dirigir ao hospital, com a certeza de uma cesárea e a dor da frustração. Alguém tinha q compôr a taxa da Helô de transferência ao hospital, oras. Eu só quis ser legal com as estatísticas dela, ué?! :)
Hoje eu sei pq o Ian não nasceu em casa: porque eu tinha medo de não conseguir. O meu tp não evoluiu pq eu tinha medo de q ele não evoluísse, eu tinha medo de decepcionar todo mundo, principalmente das listas, q esperava q ele nascesse em casa, toda aquela rede de mulheres, no Brasil todo e em alguns lugares fora do Brasil. Eu tinha medo de não conseguir parir naturalmente. O meu vínculo comigo, veja bem, comigo mesma, a confiança no meu poder feminino não era forte o suficiente. Eu pensei q fosse, mas não era. Eu tinha medo de ter q dar o braço a torcer pra todo aquele povo q disse q o meu parto poderia ser arriscado se fosse em casa, q diziam eu não tinha passagem, mesmo q eu explicasse q não queria ir a lugar algum. Ou pro meu pai, q falou q eu ia ser q nem a minha mãe, q entrou em trabalho de parto mas acabou 3 vezes na cesárea.
Mais q isso tudo, hoje eu sei q o Ian não nasceu em casa pq eu precisava nascer naquela maternidade. Não ele, eu. Pq ele nasceu lá, mas eu tb me pari ali. Eu precisava passar pela experiência q eu passei. Precisava daquela ocitocina colocada errada na minha veia, precisava do toque e da auscuta errada da residente, do nariz torcido da médica qdo soube q vínhamos de um parto domiciliar. Eu precisava da bolsa rompida pela médica, pela constatação de q não havia mecônio e q meu filho não estava em sofrimento, mesmo q a médica tenha dito q tinha e estava. Eu precisava daquela raqui e da peridural q me deram coceira e me entorpeceram, da maldita episiotomia, da manobra de Kristeler, do nitrato de prata q manchou os olhos do meu filho por quase 2 meses, de não conseguir pegá-lo qdo ele nasceu pq eu tinha medo de deixá-lo cair, mas nem conseguia dizer isso, de tão entorpecida q fiquei. Precisava continuar sem saber como é uma placenta ao vivo. Precisava q o meu marido fosse mero espectador do nosso parto, mesmo q ele tivesse tido cada contração daquelas 30 horas anteriores junto comigo e desejássemos q ele cortasse o cordão.
Eu precisava dos maus tratos q sofri na sala de recuperação pós-anestésica, daquela auxiliar de enfermagem xexelenta q me chamou de poia, gorda e preguiçosa, q me pegou com força e má vontade, q me machucou e queria me dar meu filho para eu carregar mesmo q eu não conseguisse por ainda estar dopada.
Mas eu tb precisava daquela enfermeira, Vânia, q me apareceu tal qual um anjo qdo eu praguejava e xingava e gritava e pedia cesária e anestesia na sala de pré-parto, aquela mulher q parecia a encarnação de Morgana ali na minha frente, pedindo pra apagar a luz, me fazendo carinho, falando baixo e calmo, me pedindo pra respirar fundo, me acalmar, aguentar a dor e não jogar fora todo o trabalho e toda a luta q eu e a Helô e o Cacá e a Ingrid tínhamos tido até aquele momento. E ela dizia q era amiga da Helô. E, mesmo ausente, a Helô se fez presente em cada momento q passei dentro da Carmela Dutra.
Precisava da Cláudia aparecendo na sala da RPA vestida de verdinho-médico qdo a xexelenta ia colocar o Ian no meu colo. A Cláudia brigando com o outro xexelento q ia me levar pro quarto e q não levou pq tinha feito merda na minha mão com a maldita ocitocina e a Cláudia brigou com ele. Precisava da Cláudia arrastando minha cadeira de rodas com uma mão enquanto carregava o Ian no outro braço até chegar no meu leito na enfermaria. Precisava dela me fazendo carinho no rosto e dizendo q tudo ia ficar bem, q eu só precisava de paciência e q eu era uma guerreira. Precisava do beijinho dela ali naquele lugar estranho. É q o contato q nós tivemos antes do parto foi muito pouquinho e Deus queria estreitar nossos laços.
Precisava daquela téc. de enf., de quem nem imagino o rosto, mas q teve todo cuidado e carinho qdo me pegou, no meio da visita da tarde, ainda entorpecida mesmo quase 8 h depois, e me levou para tomar banho, foi carinhosa, se espantou com a minha fragilidade q era tanta q ela pensou q eu tivesse 15 anos, mesmo aos 27 recém-feitos.
Precisava estar sozinha com meu filho às 4 h da manhã, ainda doidona de anestesia, com ele tooooodo cagado. Eu lembro de virar pra dormir, q de manhã, alguém o limparia. E lembro de me xingar imediatamente, pq eu não adimitia q eu fizesse aquilo com o meu filho. Foi ali, naquela hora, q nasceu o meu instinto de mãe. E eu me virei no escuro, sozinha, mancando por causa da dammit-episio, e dei banho naquela bundinha na água fria do tanque do banheiro feminino.
Precisava da aux. de enf. estagiária q no dia seguinte me mostrou q nem só de teoria vive a amamentação e q se eu não fizesse "pinça" no meu peito não havia jeito do meu filho mamar.
Precisava do encaminhamento pro posto de saúde e ver de perto aquelas mulheres maltratadas, sofridas, ignorantes. Precisava descobrir q aquelas mulheres existem e precisam de respeito, de orientação, de dignidade. Precisava ver de perto o q é a saúde pública, me indignar, sentir ímpetos e desejos de modificar aquilo tudo, sem nem ao menos identificar o q se passava dentro de mim.
Precisava, 1 ano depois do nascimento do meu filho, chorar e velar meu parto domicilar frustado, minha mutilação pela episio, meus sonhos despedaçados. É trágico, mas foi como senti, mesmo q a minha experiência com a gestação, o trabalho de parto e o parir em si tenham sido a melhor experiência da minha vida.
Não, eu não tive meu parto domiciliar. Não, meu filho não nasceu de parto natural. Não, não foram as mãos da Helô q apararam o meu Ian ao nascer. Mas foi esse partinho frankestein q pariu essa mulher q eu sou hoje. Foi esse sucessão de acontecimentos q fez com q a minha ligação com a Helô, a Cláudia e a Maysa se tornassem muito maior do q eu imaginaria.
Talvez, se o meu parto tivesse sido aquela coisa linda e cor-de-rosa q eu queria, eu não fosse hoje quem sou. Eu não estaria tão ligada a todos vcs. Sabe aquele caso mal-resolvido, aquela transa q começa, mas é interrompida qdo vc tá quase lá? Sabe aquele gostinho de "eu vou ter q terminar isso, mais cedo ou mais tarde"? Acho q tem meio isso tb.
Meu vínculo com estas mulheres não é por me ajudarem a parir minha cria, mas por terem influenciado diretamente o parto de mim.
Além do Cacá, Helô, Cláudia e Maysa, Anacláudia Bessa, Ingrid, Dydy, Mirka, Rê Penna, Renatinha Dias Gomes, Anacris Duarte, Melania Amorim, Marina Maria, Ana Sixx... Há uma pá de gente... Contribuiram diretamente pra quem eu sou hj. E nem imaginam isso... A internet e suas listas têm lá seus tesouros...
Gostei disso aqui... Vai até uma cópia pro blog! ;)
Hoje eu aprendi e luto a cada dia para levar as coisas até o fim, terminar o q comecei. Tem sido muito difícil conciliar casa & limpeza, escola, marido, filho, religião, vaidade, emagrecimento, família, parentes, amigos, blog, listas, internet, atividade física, lazer. Em algum momento eu vou conseguir. Ou descobrir q não é possível conciliar, mas é possível viver bem mesmo assim. Ou não.
Minhas metas são concluir meu curso e estágio com louvor, quem sabe providenciar trabalho pra Helô Cláudia e Maysa e fazer minha graduação em Enfermagem. Eu tenho a vantagem de não precisar disso pra viver. Tenho a meu favor a opção de estudar e trabalhar por prazer, o q me deixa na frente de muita gente. Mais na frente ainda pq tenho o total e incondicional apoio do meu amor. E mais ainda por ter tido contato, desde antes de entrar nesta área, profissionais tão maravilhosos como os q conheci.
Sim, meu filho nasceu de um parto frankstein, fora do nosso lar. Mas q frutos maravilhosos nos deu esse parto!
"Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu. "
(Mensagem, Fernando Pessoa)
Beijoca,
Cyça
http://recrescendo.blogspot.com/
http://www.flickr.com/photos/cyci/
2 comentários:
lindo, seu post.
tb sou uma mulher que nasceu de novo com o nascimento de um filho. tb experimentei um parto que não saiu como eu havia planejado. mas o tempo me mostrou que não poderia ter sido diferente e que através dessa eperiência minha vida mudaria.
acho que conheço a helô a quem vc se refere, é a heloisa lessa, não é? ela é parteira da minha terapeuta e eu assisti a uma palestra dela no Encontro de Parto Natural e Gestação Conscientes que aconteceu em novembro passado.
bjs
renata
Cyça , minha querida.
Li seu post e não pude deixar de pensar no quanto nos massacramos todos os dias por tudo.
Tudo é nossa responsabilidade, é...
Até certo ponto.
Hoje, depois de ter pssado por duas cesáres que você conhece bem o que significam para mim e depois de reavaliar duzentas e noventa e nove vezes todos esses processos e tudo o que aprendi com os partos e com as pessoas envolvidas, listas, médicos e etc...
Cheguei à conclusão de que nada depende exclusivamente da nossa vontade. Não é a vontade que faz uma criança sair de dentro do seu útero pelo seu canal vaginal.
E meu segundo nascimento me deixou claro isso: 3 circulares de cordão e bebê com apgar 7/8. Ele provavelmente não desceria nem com reza forte...e tenou-se tudo até o limite porque mais que isso , ele sofreria. Claro que não foi a circular de cordão exclusivamente, foi a forma como a circular se deu. E mais do que tentamos, seria possível tentar, mas vale o sofrimento da criança? Vale um encubadora, vale não podermos ir para casa no dia seguinte?
Eu amo parto natural e sempre terei comigo este vazio não realizado. Mas não entendo os acontecimentos como culpa exclusivamente nossa, das mulheres. Não sou eu quem determina se o sol nasce, se chove, se venta , se minha colheita floresce.
Eu planto, eu luto. Mas esse sentimento de que a mulher não consegue porque não estava sintonizada com seu corpo, parece simplista demais.
Você é uma lutadora. Precisava passar pelo que passou? Provavelmente. Mas és realizadora, lutadora e deu tudo de sí.
Eu parí? Parí! Dois lindos filhos, de cesáreas não desejadas, mas também de luta, de busca, de enfrentamento. Me sinto realizada porque lutei contra a maré.
E continuarei lutando sempre.
Vc lutou, você venceu.
E continuará lutando e continuará vencendo.
Viva o parto natural que realizamos dentro de nós.
No nosso sentimento, na nossa vontade, na nossa energia.
Um grande beijo!
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